Por uma história realmente universal

Livro de Jack Goody denuncia os limites de confundir a trajetória da humanidade com a narrativa histórica criada pelo ponto de vista europeu
por Arlene E. Clemesha


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O ROUBO DA HISTÓRIA, Jack Goody, Contexto, 368 págs., R$ 90,90
O roubo da história tem como objetivo examinar o modo como a Europa “roubou a história do Oriente”. Não apenas suas criações artesanais e artísticas, instituições, invenções científicas e tecnológicas, enfim todas as grandes contribuições para a humanidade de regiões do chamado Oriente, mas sua própria história. Isto é, o lugar das sociedades não-européias na explicação do mundo contemporâneo.

A historiografia européia, ao criar periodizações, como aquela que divide a história em Antigüidade, Feudalismo, Renascença e Capitalismo, contribui consideravelmente para a exclusão dos povos do chamado Oriente. Cria, como defende o autor, a falsa idéia de um desenvolvimento exclusivamente europeu, desde a civilização grega e romana até o advento do capitalismo e a dominação européia do mundo a partir do século XIX, esquema este que relega a Ásia, África e América Latina à posição de exceção, estudadas à parte, quando muito.

Seria determinante, e lamentável, o abandono da visão (encontrada em Gordon Childe) que enfatiza a ampla unidade das civilizações da Idade do Bronze por toda a Europa e Ásia. É a idéia de um só mundo, formado por pólos civilizacionais paralelos, rompida pela idéia ocidental de uma Antigüidade puramente européia, baseada na noção equivocada da exclusividade de técnicas e instituições, desde a escrita até, por exemplo, a democracia (bastaria lembrar a democracia existente na colônia fenícia de Cartago, mencionada pelo autor).

A idéia de uma Idade Média de trevas, por sua vez, turva apenas a compreensão da história, pois o período representou, de fato, o auge da ciência, literatura (poesia), e filosofia islâmicas, bem como a Época de Ouro do judaísmo, quando filósofos judeus de Al Andalus, como Maimônides, escreveram suas principais obras (em árabe, que era a língua culta da época). A obra do grande filósofo islâmico Ibn Sina (Avicena) chegou à Europa antes daquela do grego antigo Aristóteles, tanto que quando São Tomás de Aquino começou a ler Aristóteles o fez pela lente da leitura prévia de Ibn Sina. O que demonstra que ao longo da “idade média” os árabes não apenas preservaram como desenvolveram o conhecimento herdado da Grécia. Para não nos estendermos no assunto, basta dizer que o chamado Renascimento seria melhor compreendido como uma continuidade do florescimento cultural do Islã clássico, ou, para tomar o exemplo de Goody, da própria China, tão avançada quanto, econômica, social e culturalmente.

Arlene E. Clemesha é historiadora, professora de cultura árabe da USP (Departamento de Letras Orientais, FFLCH-USP), membro da diretoria do Instituto da Cultura Árabe, e do United Nations International Coordinating Network for Palestine. É autora de vários livros, entre os quais Marxismo e Judaísmo.

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